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Café Âncora D’Ouro O “Piolho” - Síntese histórica 100 anos de vida (1909-2009)
Local mítico e já ex-líbris da cidade, conhecido nacional e internacionalmente pela simples designação de Café “Piolho”.
Conotado por ser um café de estudantes oriundos de diversas faculdades, sobretudo de Ciências e de Medicina, sendo também frequentado pelos comerciantes da zona, professores universitários e população em geral. Palco de debates e “conspirações” anti-fascistas nos tempos da ditadura, local de reunião de intelectuais e artistas de várias gerações, o “Piolho” acompanhou períodos fundamentais da história da cidade do Porto, como se pode ver pelas inúmeras placas de mármore ou ardósia colocadas nas suas paredes, oferecidas por todo o tipo de clientes. «Quando havia quaisquer manifestações públicas ou arruaças, complicava-se a situação. Lembro-me, perfeitamente, de uma incursão a que assisti, desta vez, de um guarda da GNR, que entrou a cavalo no café, partindo uma mesa quando correu à pranchada (batimento com a bainha da espada de cavalaria) um contestatário da época» (1). Em 26 de Junho de 1909, Cremilda Reis Lima e Francisco José de Lima, em consonância com um sócio, compraram o Botequim Âncora D’Ouro, na antiga Praça da Rainha que, com a queda da Monarquia, passou a chamar-se Praça de Parada Leitão, nos números 42 a 57. Entretanto, e segundo relatos da época, mas não documentados, nem registados, o Botequim Âncora D’Ouro tinha sido já um misto de Tasca e Barbearia e estaria aberto desde 1880. Mais tarde é trespassado a Francisco José de Lima, antigo empregado de mesa do Botequim «O Martinho» em 1909 (2).
«Nos inícios, o Botequim Âncora D’Ouro funcionava com música ambiente, realizando-se periodicamente serões com cantores que interpretavam árias de óperas, de operetas, canções brejeiras e dançava-se o charleston, o tango, etc. Tudo isto, para encanto da clientela, nos anos loucos de 1920» (3). Por aqui passaram sucessivas gerações de médicos que “faziam parte do curso às mesas do café”, estudando aqui até altas horas da noite, naquele tão especial ambiente, e quiseram marcar a sua presença, deixando nas paredes placas alusivas à sua passagem. E são muitas dezenas as existentes, havendo até algumas repetidas pelos mesmos, 50 anos depois da formatura dos seus elementos. Em 1979, foi trespassado à actual gerência, composta por José Martins, José Pires e Edgar Gonçalves que, após algumas vicissitudes, conseguiram, sobretudo a partir dos anos 80, retomar as tradições emblemáticas deste carismático café que, em 2009, faz 100 anos ininterruptos ao serviço da população e serve já como ex-líbris e património histórico do Porto. Entre muitas e ilustres figuras e personagens de relevo, das Letras às Ciências, do Jornalismo, da Rádio,
da Política e da Música, o sócio-gerente José Martins salienta «… ainda me recordo da forma como a famosa fadista e já falecida, Amália Rodrigues, se me dirigiu ao balcão para pedir “um cimbalino” – Deia-me lá uma daquelas coisas que nós em Lisboa chamamos bica…».
Mas é, sobretudo, a partir de 1997 que o “Piolho” volta às suas origens, trazendo ao seu meio mais estudantes, tornando as noites mais quentes – com fados, tertúlias, recitais de poesia e descerramento de placas, enquadradas nas Semanas Culturais dos Estudantes. O prolongamento do horário de funcionamento actual, até às 4 horas da manhã, provoca uma animação que mexe com todas as gerações do “Piolho”.Por último, e em síntese dizer que o apelido o “Piolho” tem duas interpretações: uma, dado o movimento do café, das 13 às 15 horas, que era tanto e com tanta confusão, que todos apontavam o ambiente como uma “piolhice”, dada a agitação em que se vivia e daí a alcunha de café “Piolho”; outra, dada a frequência do café pelos alunos universitários e pelos professores deu origem à expressão de “piolhice”, na medida em que a convivência académica era um tanto ou quanto cerimoniosa (4). Actualmente, e já depois das novas obras em 2006, o mítico café reabriu as portas com tertúlias sobre a cidade do Porto. Nota-se um reavivar de memórias, com um toque de modernidade, mantendo-se as colunas douradas e a velha ventoinha no
tecto. Ao canto existe o “Museu do Piolho” com velhas máquinas registadores e de café, usadas “no antigamente”, mesmo ao lado de uma nova televisão de ecrã plano que substituiu o velho aparelho!
Finalmente e no ano em que se comemora os 100 anos do “Piolho”, registamos uma clientela jovem “a geração dos portáteis”, dos MP3, dos jogos de computador, das mensagens SMS enviadas pelos telemóveis, às dezenas para convocar encontros no centenário “Piolho”; ou para a marcação de “Manifes” e de contestações políticas, ambientais e de luta a favor do Património e dos locais de resistência e memória, emblemáticos nesta cidade, tais como o legendário e mítico “Piolho”.
Os namoros e as paixões continuam a marcar presença, na troca de olhares e de beijos sedutores e na mescla internacional, aliada agora ao programa ERASMUS e à multiplicidade e cumplicidade cultural que rompe e transforma o “Piolho”, tornando-o uma “Academia ou até uma das Universidades sui generis do Porto”.
Raul Simões Pinto & Sílvia C. Silva
Porto, 31 de Janeiro de 2009
Notas:
(1) LIMA REIS, Fernando (Dr. e neto do 1º Sócio do “Piolho”);
(2) MARÇAL, Horácio in “Os Antigos Botequins do Porto”;
(3) LIMA REIS, Fernando (Dr. e neto do 1º Sócio do “Piolho”);
(4) FONTE: Curso Médico 1948-1954.
Coffee-house Âncora D’Ouro “Piolho - ”Historical overview of a hundred years (1909-2009)
This coffee-house is a mythical place and an ex-libris of the city of Porto, nationally and internationally known as “Piolho”.
It is considered to be a place attended by students from different universities, mainly Sciences and Medicine, but also by local traders, academics and population in general.
It has been the stage of discussions and “antifascist conspiracies” in the time of the dictatorship, a meeting place for intellectuals and artists from several generations, witnessing crucial periods of the history of the city of Porto, as shown by the numerous plaques of marble or slate placed on its walls, offered by all kinds of customers.
«When public demonstrations or civil riots occurred, things got complicated. I remember perfectly when a guard of GNR (1) entered the coffee riding his horse and breaking a table when he tried to kick out a rioter of the time» (2). On the 26th of June 1909, Cremilda Reis Lima and Francisco José de Lima, within a partnership, bought the coffee-house Âncora D’Ouro, in the former Praça da Rainha which has been called Praça de Parada Leitão, since the fall of the Monarchy, occupying the numbers 42 to 57. Meanwhile and according to stories of the time, still not documented nor recorded, the coffee-house Âncora D’Ouro had already been a Barber’s shop and a Tavern opened since 1880. Later it was conveyed to Francisco José de Lima, a former employee of the coffee-house “O Martinho” in 1909 (3).«In the beginning, one could listen to music in the coffee-house Âncora D’Ouro and evenings were often filled with singers who performed arias of operas, popular songs and people dancing the charleston, the tango, etc., to the joy of the customers in the roaring twenties» (4). This place was attended by successive generations of doctors who “graduated partially at the coffee tables”, studying here until very late at night, in that particular environment, and who wanted to mark their presence, leaving in the wall plaques alluding to their passage. As one can see there are many plaques, some repeated for the same doctors, 50 years after their graduation. In 1979, the coffee was conveyed to the current management, composed by José Martins, José Pires and Edgar Gonçalves who, after some obstacles, were succeeded, in particular since the 80’s, to keep the traditions of this charismatic coffee-house that, in 2009, is celebrating 100 years of uninterrupted service to the population as a symbol of Porto and its historical heritage. Among the many distinguished figures, from the Arts to Sciences, Journalism, Radio, Politics and Music, the managing partner José Martins emphasizes «… I still remember the way the famous and now deceased fado (5) performer, Amália Rodrigues, asked me for a coffee – I want one of those things we in Lisbon call “bica”…» (6). But it is mainly since 1997 that “Piolho” has recovered its roots, bringing more students and warming the nights with fados, literary assemblies, recitals of poetry, in the scope of the students’ cultural weeks.
The extension of its current schedule, until 4 o’clock in the morning, leads to an entertainment that involves all the generations of “Piolho”.Finally, we would like to explain that the nickname “Piolho” has two possible interpretations: one, given the coffee was overcrowded from 1 pm till 3 pm, due to the confusion that some pointed out as being swarmed with lice (“piolhice”); the other, due to the fact that the coffee was mainly attended by university students and teachers whose socialization consisted in a certain ceremony, the expression “piolhice” appeared (7).
Currently, and since the repairs in 2006, the mythical coffee-house reopened with literary assemblies concerning the city of Porto.
It is noticed the revival of memories, with a touch of modernity, keeping the golden columns and the old ceiling fan. At the corner there is the “Museum of Piolho” with old machines used “in the past”, right next to a new flat-screen TV which replaced the old device!
Finally and in the scope of the 100 years of “Piolho”, we emphasize the young clientele as “the generation of the laptops, the several SMS sent by mobile phones to convoke meetings in the coffee-house or planning demonstrations related to political, environmental issues or to fight for causes involving the heritage and the places of resistance and memory, emblematic in this city, such as the legendary and mythical “Piolho”.Flirting and passions are also present in the exchange of glances and through the international scope, allied to the program ERASMUS and its cultural multiplicity, “Piolho” is becoming an “Academy or even one of the most sui generis Colleges of Porto”.
Raul Simões Pinto & Sílvia C. Silva
Porto, 31 January 2009
Notes:
(1) GNR means “Guarda Nacional Republicana”, the Portuguese National Republican Guard.
(2) LIMA REIS, Fernando (Physician and grandson of the first partner of “Piolho”);
(3) MARÇAL, Horácio in “Os Antigos Botequins do Porto”;
(4) LIMA REIS, Fernando (Physician and grandson of the first partner of Piolho”);
(5) Fado is a music genre that can be translated as destiny or fate;
(6) In Portugal there are different terms to ask for a coffee. For instance, in Lisbon it is more usual to say “bica” while in Porto people say coffee or “cimbalino”;
(7) SOURCE: Class of Medicine 1948-1954.
100 ANOS DE OURO
ResponderEliminarCarpe Diem Piolho!
ResponderEliminar«Embebedai-vos, embebedais-vos, embebedais-vos de arte, música, poesia e vinho para não sentirdes sobre vós o triste fardo do tempo».
( )s Sílvia S.